Na verdade, no final dos anos 70, a ditadura estava afundando. Para começar, a crise econômica: inflação, diminuição do crescimento econômico, aumento da pobreza. Foi só Geisel abrandar a censura para que os escândalos de corrupção no governo começassem a pipocar. Tudo isso tirava a confiança da população no governo. Bastava ter eleição e pimba, o MDB ganhava mais votos do que a Arena. No começo do regime, castrado pelas cassações, o MDB era uma presença tímida. Praticamente só havia Arena no Brasil, Aos poucos, entretanto, o MDB foi ampliando sua capacidade de fustigar a ditadura, Nele havia desde liberais até comunistas, todos unidos com um propósito básico: acabar com o regime militar, restaurar a democracia no Brasil.
Portanto, ao contrário do que disse a propaganda oficial, a tal abertura política não foi resultado simplesmente da boa vontade do governo. Foi o recuo de um regime acossado pela crise e atacado por um povo que se organizava.
Em nenhum momento do regime a oposição democrática se calou. Todavia, a partir de 1975, essa oposição atuava de outro jeito. Não eram mais estudantes jogando pedras para enfrentar a polícia, como nas memoráveis passeatas de 1968, nem eram meia dúzia de guerrilheiros cutucando a onça blindada com vara curta. Agora, a luta contra o regime ainda tinha o mesmo ardor, o mesmo idealismo, só que com maturidade, com substância.
O movimento estudantil universitário renascia. Nas principais universidades do Brasil, o pessoal reorganizava as entidades representativas (Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos, Diretórios Centrais dos Estudantes). Esta geração do final dos anos 70 e começo dos 80 mostraria que a política ainda corria no sangue dos estudantes. Mas as coisas não eram fáceis. As faculdades ainda estavam cheias de agentes secretos do SNI infiltrados e muitos dando aulas de EPB.
Entidades como a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) – esta sob a liderança do dr. Raymundo Faoro – e intelectuais de prestígio se manifestavam contra o regime. A imprensa alternativa, representada pelos jornais O Pasquim, Movimento e Opinião, não descansava. A censura tinha sido abrandada no final do governo Geisel e, portanto, já havia um espaço para falar de coisas novas na política. Cada número novo de um desses jornais era lido com voracidade.
A situação ficou tensa. As forças democráticas avançavam, mas a direita replicava: 0 governo, irritado, se confundia, reprimia, vacilava. Era o impasse. Para onde iria o Brasil? A extrema direita teria mesmo o poder de barrar o povo? Quem decidiria o nosso futuro?
Saab-Scania, multinacional sueca de salários brasileiros localizadaem São Bernardodo Campo (São Paulo). São 7 horas da manhã. 13 de maio de 1978, sexta-feira. Os diretores e executivos observam e não acreditam no que vêem: os operários estão ali, bateram cartão de ponto, mas nada funciona. Braços cruzados, máquinas paradas. E sem o peão, nada existe. A greve. Apesar da rígida proibição da ditadura, os trabalhadores pararam. E dali se espalharam e paralisaram o cinturão industrial do ABC Paulista.
Foi uma loucura. Todo mundo ficou perplexo. Desde o governo até a esquerda tradicional, incapazes de aceitar que a classe trabalhadora pudesse, por conta própria, resolver seus problemas.
Na liderança, uma nova cabeça no país, que não estava ligada a nenhum partido, a nenhum grupelho de esquerda: Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Filho de miseráveis camponeses nordestinos que emigraram para São Paulo, Lula trabalhava desde criança. Bom operário, torneiro-mecânico. Na adolescência, não ligava muito para política nem para sindicato. Queria mesmo era jogar bola e namorar. Amadureceu, começou a tomar consciência das coisas e entrou para o sindicato, até ser eleito presidente. Assim, iria se tornar o mais influente líder sindical operário de toda a história do Brasil.
Segundo o IBGE, em 1980 aos 5% mais ricos cabiam 37,9% do total da renda do país, e aos 50% mais pobres sobravam 12,6%. Portanto, a fatia a ser partilhada pelos 5% mais ricos era três vezes maior que a fatiazinha que ainda tinha de ser rachada entre a multidão dos 50% mais famintos! Êta festazinha de aniversário safada: isso tinha de dar bolo!
Através da inflação, os salários eram comidos pelos patrões. Não satisfeito, o governo Figueiredo inventou várias leis que deveriam proibir aumentos salariais para compensar ã inflação. Mas os tempos eram outros e o Congresso Nacional barrou as medidas.
Na verdade, o regime militar tinha simplesmente desgraçado nossa economia. O crescimento dos tempos do “milagre” era ilusório: um país não pode crescer por muito tempo mantendo tanta injustiça social. Daí que em 1981 aconteceu, pela primeira vez desde os anos da crise de 1929, o crescimento negativo da economia do país. O Brasil tinha ficado mais pobre ainda. Era a terrível estagflação, mistura de estagnação econômica (tudo parando) com inflação .
A anistia veio em 1979. Mas não foi “ampla, geral e irrestrita”. O pior é que os torturadores também foram anistiados, sem jamais terem sentado no banco dos réus. De qualquer modo, ela permitiu o retorno dos exilados e a libertação dos presos políticos. Os reencontros no aeroporto e na saída da cadeia emocionaram uma geração que havia sacrificado sua juventude por seu patriotismo.
Para dividir as oposições, Figueiredo baixou a Nova Lei Orgânica dos Partidos (1979) que acabava com a divisão Arena e MDB. Foi assim que nasceram cinco novos partidos políticos: PDS, PMDB, PDT, PTB e o grandioso PT, que apareceu como o grande partido de esquerda do Brasil. Na sua origem, o movimento operário organizado no ABC paulista, liderado por Lula, mas também dirigentes sindicais de outras categorias operárias e até de setores como o bancário, o de professores e de funcionários públicos (Brasília). O PT também recebeu apoio de setores da Igreja Católica (ligados à Teologia da Libertação), estudantes universitários e intelectuais, reunindo desde marxistas a social-democratas.
O acontecimento final do governo do general Figueiredo foi a campanha pelas Diretas Já, em 1984. Uma coisa maravilhosa, na qual praticamente o país inteiro tomou parte, lutando pelo direito de votar para presidente. Nos últimos comícios, no Rio de Janeiro eem São Paulo, reuniram-se milhões de pessoas. Foram as maiores manifestações de massa da história do Brasil.
Ainda me lembro que no dia em que a Emenda Dante de Oliveira, foi votada pela Câmara dos Deputados, Brasília ficou em estado de emergência. O general Newton Cruz, a cavalo como um Napoleão desvairado, queria prender todo mundo vestido de amarelo (símbolo da campanha) e chicoteava os carros que buzinavam a favor da emenda. O pior aconteceu: apesar de os “sim” ganharem de 298 a 65, inclusive com alguns votos do PDS, faltaram 22 votos para a vitória. Vários canalhas tinham votado contra ou simplesmente não compareceram.
Outra luta dos petistas foi a dos caras pintadas… Contra a corrupção… A força do partido, em conjunto com a sociedade organizada, derrubou o presidente Fernando Collor…
Ah!!! As figurinhas de hoje podem dizer que são autênticos? Mas em quê? Pegaram um país com abertura política; não enfrentaram a perseguição de uma ditadura militar, onde você era vigiado 24 horas; você não podia questionar e criticar nada… Somente os que tinham peito e sangue de guerreiro para partir pra briga…
Publicado em: Governo