Correio Braziliense
ROSANA HESSEL
PAULO SILVA PINTO
DENISE ROTHENBURG
O ministro do Turismo, Gastão Vieira, defende uma intervenção na aviação civil. Ele lembra que as companhias aéreas são concessionárias de um serviço público. Com o mercado cada vez mais concentrado, as tarifas abusivas podem virar um pesadelo constante para o passageiro, tornando o turismo interno proibitivo. Vieira defende uma ação do governo semelhante à que ocorreu às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em julho deste ano. “Quando começou aquela flutuação de diária de hotel, chamamos o setor hoteleiro e falamos que não iríamos admitir aquilo. E as diárias caíram”, afirma. Na avaliação de Vieira, é preciso aumentar a oferta de assentos em aviões e, para isso, a solução mais rápida seria ampliar a concorrência, abrindo espaço para companhias aéreas estrangeiras atuarem no mercado doméstico. “É a medida de impacto mais imediato, até que se arrume uma solução definitiva”, explica.“ Nós já encaminhamos um documento para a Casa Civil sobre isso”, destaca. Atualmente, um dos desafios do ministro é concluir o Plano Nacional de Turismo (PNT), que tem por meta fazer com que o Brasil passe do sexto maior mercado no planeta do segmento para o terceiro lugar global até 2022. A seguir, os principais trecho da entrevista concedida ao Correio.
Ministro, é razoável o passageiro pagar R$ 3 mil em uma passagem só de ida de Brasília para Fortaleza ou para Salvador na alta temporada?
Nós estamos muito preocupados com essa situação. Na última reunião do Conselho Nacional de Turismo, esse foi um assunto absolutamente recorrente. Do nosso ponto de vista, do turismo, isso tem um impacto muito grande. As companhias aéreas disseram que o quilômetro voado na Europa é 26% mais barato que o voado no Brasil. Esse foi o argumento que eles trouxeram para nós. Por conta disso, pediram para entrar no plano de desoneração da folha salarial. O governo concedeu. A partir do momento que essa reivindicação foi atendida, as coisas começaram a se complicar. O mercado começou a ficar muito confuso depois as fusões da Gol com a Webjet e da Azul com a Trip. A oferta diminuiu e o preço subiu. O mercado, que era altamente competitivo, com várias empresas operando, deu uma concentrada.
O que seria possível fazer para aumentar a concorrência?
Se você me perguntar como cidadão e não como ministro, eu acho que a alternativa agora, e não há outra economicamente, é aumentar a oferta. E, para aumentar a oferta, é preciso permitir que empresas estrangeiras que voam no Brasil ofereçam assento. Essa é a medida de maior impacto, mais imediato e que arruma essa situação pelo menos até que se tenha uma solução definitiva.
Agora, passando do cidadão para o ministro, o senhor não acha que seria o momento de colocar isso na mesa de discussão?
Isso está na mesa de discussão. Vocês lembram que houve uma reunião sobre o setor aéreo entre o Comitê Gestor do Conselho Nacional de Turismo na Casa Civil com a ministra Gleisi (Hoffman) Ela disse que o governo acendeu a luz amarela com relação ao setor. A posição do Ministério do Turismo é forçar que esse assunto esteja na mesa. Nós já encaminhamos um documento para a Casa Civil sobre isso. O que pode acontecer? Há um número razoável de pessoas querendo voar nesse período sem ter assento. E eles (as companhias aéreas) têm um pleito quando ao combustível. Dizem que as taxas elevam o custo do querosene de aviação a 26% acimada média mundial.
Mas isso só explica um pedaço do problema, não?
O ministério pediu a eles (as empresas aéreas) que colocassem os pleitos e o que eles se propunham a fazer. Disseram que desejariam aumentar em 20% a oferta de assentos em troca de uma alíquota única de ICMS (sobre o combustível) de 13%. Alguns estados já possuem uma política clara para o turismo e aplicam recursos próprios. O Ceará anunciou durante a inauguração do estádio Castelão que colocou R$ 1 bilhão na área. Acabaram as obras antes do previsto e sem aditivo. Uma coisa fantástica. E isso ocorreu porque foi uma PPP (parceria público privada) redondinha. Só que não há nenhum governador diante de um pedido para reduzir o ICMS do querosene de aviação que não responderia “tudo bem, mas quero uma linha direta de avião do exterior para o meu estado”. É preciso lembrar que isso (o transporte aéreo) é uma concessão e tem um aspecto social fortíssimo. Isso não é só concorrência de mercado. É, além disso, a posição do Ministério do Turismo é mostrar para o governo que a gente deve agir.
Essa demanda para baixar o ICMS dos combustíveis está sendo discutida com os estados?
Nós estamos colocando isso na agenda do conselho dos secretários estaduais de turismo, o Fornatur. Essa agenda vai entrar no conselho dos secretários estaduais de turismo.
A presidente Dilma se manifestou sobre isso?
Tem toda uma arrumação: órgãos próprios, Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), SAC (Secretaria de Aviação Civil). A Casa Civil faz a coordenação. Isso só chega para a presidente quando há um certo consenso.
A existência de tantos órgãos para cuidar do mesmo tema não atrapalha?
Aí a gente entraria em outra discussão. O importante é o seguinte: esse é um assunto urgente e o governo deve agir, no meu entendimento, como agimos na Rio+20.Quando começou aquela flutuação de diária de hotel, todo mundo foi chamado, inclusive o Ministério da Justiça. Chamamos o setor (hoteleiro) e falamos que não iríamos admitir aquilo. E as diárias caíram. A expectativa é que alguma coisa aconteça porque isso (preço das passagens) está virando um fato popular muito forte.
Os gastos dos brasileiros com viagens internacionais devem chegar a US$ 15,5 bilhões neste ano e a US$16,3bilhões em2013, segundo dados do Banco Central. Quando é que a gente vai assistir uma trajetória de queda e finalmente a um superavit nessa conta?
A resposta é extremamente complexa. Temos uma agenda complicada pela forma como o Itamaraty encara essa questão de visto. A França quer fazer promoções aqui de olho no brasileiro, o terceiro maior gastador em Paris. Além disso o câmbio, sobre o qual não temos interferência, favorece a vinda de estrangeiros para o Brasil. Hoje, um problema que o governo enfrenta é o aumento do consumo de produtos importados. A indústria está com dificuldade para retomar a produção. É complicado dizer que vai diminuir o volume de turistas brasileiros gastando no exterior. Há uma vantagem comparativa indiscutível, por ser infinitamente mais barato comprar e ficar lá fora do que dentro do Brasil. Nós recebemos entre 5 milhões e 5,4 milhões de turistas estrangeiros. Neste ano, deverão ser 5,8 milhões. O México recebe 18 milhões, e a Índia, 14 milhões. O Brasil não oferece nenhuma vantagem ao turista. Aqui, não tem tax free para troca no aeroporto. Precisamos melhorar a competitividade.
E como se faz isso?
Diminuindo os custos. Os hotéis e resorts melhoraram. Eles aumentaram a ocupação que era abaixo de 50% e passou para mais de 60% como consequência da desoneração fiscal. Mas eles ainda não baixaram o preço. Se quiser ir para um resort no Nordeste neste fim de ano, você não vai,como eu não vou. É mais barato ir para fora do país. Competitividade é uma palavra-chave. E ela requer uma série de ações. Temos que formar gente. Precisamos melhorar o desempenho dos nossos hotéis. Estamos implantando o registro eletrônico dos hóspedes e a reclassificação das estrelas para quem merece. Há uma série de coisas que não têm efeito de curto prazo. Estamos de olho nos russos, nos chineses e nos indianos e nos canadenses. Podemos pegar carona daqueles que vão para a Argentina, para que estiquem até o Brasil. A vantagem que nós temos são os grandes eventos. Queiramos ou não, o pós evento nos exige uma capacidade enorme de fazer com que esse turismo eventual da Copa seja permanente. Os bancos oficiais neste ano estão permitindo R$ 9 bilhões em investimentos até novembro. Em 2002,era R$ 1 bilhão.
Como está o andamento do Plano Nacional de Turismo, já que era para ele ser anunciado logo depois da volta da presidente das Olimpíadas de Londres?
Ele foi adiado porque estamos propondo que ele seja aprovado com a proposta da agenda estratégica e com as medidas concretas para os quatro campos: parques temáticos, turismo natural, turismo cultural e litoral brasileiro. Ele passa a ser um plano em ação e não apenas um plano de intenção.
O senhor mencionou divergência em relação ao Itamaraty sobre a questão do visto. Qual deveria ser o princípio?
O Itamaraty adota como dogma de fé o princípio da reciprocidade. Eu só te dispenso do visto se tu me dispensares do visto. É claro que isso acaba atrapalhando. Há uma proposta interessantíssima da ministra do Turismo do México que é a seguinte: se o chinês recebe visto para entrar no México, esse visto deveria autorizar o turista a ir para a Argentina, para o Brasil, e andar pelo nosso continente. Só que para o Itamaraty não funciona assim e isso atrapalha muito. Na última reunião dos ministros do Mercosul, a pauta foi essa: nós aproveitarmos conjuntamente a oportunidade de atrairmos mais turistas para o nosso país. Temos trabalhado bastante com o Itamaraty nesse sentido, tanto no desenvolvimento do passaporte eletrônico, como nessa questão da concessão de visto. Isso acaba entrando na agenda da presidente Dilma. Esse é um assunto recorrente em quase todas as viagens internacionais. Tanto pela força que o turismo passar a ter no Brasil, quanto para os outros países, interessados nos turistas brasileiros. Os visitantes estrangeiros estão salvando a Espanha e Portugal.
Publicado em: Governo