MILLANE, CONSTÂNCIA E JUVINA
Maurício Costa Romão
Da eleição proporcional de 2010 à de 2012 a grande imprensa nacional deu destaque a três episódios bizarros, envolvendo o cumprimento da regra que a jurisprudência convencionou denominar de “cota eleitoral de gênero”.
Esta cota refere-se ao dispositivo da Lei Eleitoral (Lei 9.504/97, art. 10, §3º) que estabelece, verbatim:
“…cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo” (redação dada pelo art. 3° da Lei 12.034/09).
Note-se que o mínimo e o máximo na redação do §3º se aplicam a ambos os sexos, mas o legislador intentava mesmo era garantir maior participação das mulheres nas eleições, historicamente em número diminuto.
Pois bem, no afã de preencher a cota mínima com o gênero feminino, os partidos saem desesperados à cata de mulheres que se disponham a filiar-se e a candidatar-se por suas cores.
Essa varredura é feita, naturalmente, sem nenhum critério de qualquer ordem: vocação, afinidade programática, dimensão eleitoral, etc. O que importa mesmo é preencher a cota e evitar penalidades.
Os episódios
Episódio 1:
“Determinado partido político (PC do B) – no Piauí -, para cumprir a lei e ter o número de mulheres inscritas exigido, registrou a candidatura de uma mulher [Millane Patrícia] que não fez campanha. Ela mesma não votou em si, mas em um companheiro de partido [Robert Rios], o qual, após ter sido eleito, agora vai ser Secretário de Segurança. Ela, que teve casualmente 30 votos, vai assumir o mandato? Sim, pela interpretação do STF”. Extrato do discurso do Deputado Federal Marcelo Castro (PMDB-PI), na Câmara Federal, em 09/02/2011.
Há cerca de dois anos o STF, em votação colegiada, não obstante provisória (inter partes), entendeu que a vaga aberta pela renúncia do deputado Natan Donadon (PMDB-RO) deveria ser preenchida pelo primeiro suplente da própria sigla, e não pelo primeiro suplente da coligação da qual é componente. A surpreendente decisão gerou enorme insegurança jurídica no que concerne ao chamamento de suplentes em todos os Parlamentos do país.
Valendo-se dessa brecha, a estudante Millane Patrícia Moura reivindicou na justiça, na qualidade de primeiro suplente do PC do B, vaga aberta no Legislativo estadual do Piauí devido à licença de deputado do mesmo partido. Millane havia sido convencida a candidatar-se apenas para preencher a cota de gênero, não votou nela própria, mas os familiares e amigos sufragaram 30 vezes o seu nome nas urnas.
Posteriormente a corte máxima revogou a decisão precária exarada antes e, consequentemente, Millane não conseguiu ascender ao Parlamento.
Episódio 2:
A professora Constância Melo de Carvalho, do pequeno município de Coivaras, no Piauí, candidatou-se a vereadora, no âmbito da cota de gênero, e se tornou suplente de uma coligação formada por quatro partidos: PP, PSDB, PTB, e o dela, o PMDB. Em 2011, uma vereadora eleita por essa aliança, Raimunda Costa Santos (PSDB), e todos os suplentes da coligação, à exceção de Constância, migraram para o PSB.
Cassada a vereadora psdebista por infidelidade partidária, e sendo a professora a única suplente da aliança, foi ela considerada apta a assumir vaga na edilidade coivarense com um único voto, o dela própria.
Episódio 3:
Cooptada pela tropa da cota eleitoral de gênero para concorrer a uma vaga na Câmara de Vereadores do município de Lajeado do Bugre (RS), que tem 2.024 eleitores, a agricultora Juvina Camargo Duarte (PMDB) votou em si mesma e foi eleita com este único voto.
Fazendo parte da coligação PDT/PT/PTB /PMDB/PPS, que abocanhou seis das nove cadeiras da edilidade lajeadense, Juvina ficou na terceira suplência. O pmdebista Everaldo da Silva (122 votos) renunciou ao cargo para ser secretário do município, abrindo vaga para o primeiro suplente Odilon Bueno da Silva (108 votos), do PDT, que preferiu assumir a pasta de Planejamento na prefeitura.
A segunda suplente, Solange dos Santos (PTB), que recebeu três votos, o dela mesma e os dos pais, julgou que não estava preparada para a nova função e desistiu do cargo (Jornal Zero Hora, 24/01/13), abrindo espaço para Juvina.
Todos os três casos tiveram grande repercussão na mídia nacional, especialmente os de Constância e Juvina, por conta do simbolismo das suas emblemáticas votações. Ademais, reacenderam debates sobre o sistema de eleições presentemente em uso no Brasil.
Nos sistemas proporcionais, como o adotado no Brasil, os candidatos eleitos não são necessariamente os que têm mais votos no pleito, porém os que são os mais votados dos partidos ou coligações, independente das votações que lhes são consagradas.
O sistema de lista aberto brasileiro, contudo, tem vantagens e desvantagens como qualquer outro (majoritário-distrital, lista fechada, distrital-misto, distritão). Está em uso no país há 67 anos. Carece de muitos aperfeiçoamentos, é claro. Os raros episódios relatados não devem servir de pretexto para substituí-lo por modelos importados que não guardam aderência com a realidade local*.
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégia Política e Institucional, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br. http://mauricioromao.blog.br
*vide nosso livro “Eleições de deputados e vereadores: compreendendo o sistema em uso no Brasil”, Editora Juruá, 2012.
Publicado em: Governo
[…] Fonte: Caio Hostilio […]