Professora Marizélia Ribeiro – Curso de Medicina UFMA (Departamento de Medicina III) Doutora em Políticas Públicas
Março se aproximando e começam os preparativos para o Dia Internacional da Mulher. Muitos foram os avanços desde que o Decreto n° 21076, de 24 de fevereiro de 1932, tornou legal o voto feminino no Brasil, se quisermos utilizar como referência uma conquista contemporânea da luta de mulheres brasileiras para reconhecimento de direitos humanos que ainda lhes têm sido negados.
Os resultados desses enfrentamentos só puderam ser concretizados porque, em algum momento, mulheres tiveram coragem para dar voz às desigualdades históricas entre gêneros. Não sem que barbáries fossem cometidas. Algumas delas, silenciosas, a exemplo de o Estado Brasileiro deixar em liberdade o ex-marido de Maria da Penha, passados 15 anos de sua condenação por tentativa de homicídio. Em 1998, a cearense que deu nome a Lei 11.340, juntamente com o Centro para a Justiça e o Direito Internacional e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, colocou o Estado Brasileiro como réu junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o qual foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica e familiar contra mulheres e obrigado a finalizar o processo que motivou a denúncia e a instituir Políticas Públicas para o enfrentamento desse tipo de violência.
Realizaram mais as mulheres brasileiras: foram protagonistas de movimentos sociais pelo direito à terra e à moradia, à vida e a serviços públicos de saúde e educação e contra o Regime Militar, a carestia e a exploração de trabalhadores, entre outras lutas. Esses exemplos fizeram seguidoras na Universidade Federal do Maranhão. Professoras de diferentes épocas de nossa Universidade têm usado a voz para denunciar autoritarismos, opressões, desmandos, irregularidades e perseguições.
Nessa perspectiva, me senti estimulada a enaltecer o destemor de quatro mulheres presentes na reunião (convocada após a Administração Superior ser intimada pela Justiça Federal) do Conselho Universitário da Universidade Federal do Maranhão (CONSUN/UFMA), em 08/02/2013, na qual foi demitido o professor Ayala Gurgel.
A primeira mulher a exercer o direito à voz (a relatora do processo foi indicada e, portanto, entendo que não possa ser referenciada como as outras), em um CONSUN que parece primar pelo silêncio e pela pressa em concluir os trabalhos, foi a professora Sirliane Paiva. Representante da Associação de Professores da Universidade Federal do Maranhão (APRUMA), ela questionou irregularidades, como a inclusão de ex-dirigentes do Diretório Central de Estudantes (DCE) com portarias vencidas na relação de conselheiros e problemas na contagem dos votos. Todavia, ouviu do Presidente do CONSUN: “É uma prerrogativa do Presidente encaminhar” e “Professora, por favor, a senhora está atrapalhando a votação”. Em resposta a um dos seus questionamentos, os presentes ouviram da Secretária dos Colegiados Superiores, após a primeira votação: “[…] De acordo com a frequência, o quórum não fechou”. Quando da segunda votação para condenação do professor Ayala Gurgel, a Mesa contabilizou 28 votos e a professora Sirliane Paiva conferiu 25. A representante da APRUMA reclamou, mas não recebeu atenção do Presidente do CONSUN. Dela teve origem o único voto contra a demissão do professor Ayala Gurgel. De frente para o Plenário, altiva e segura como sempre.
Também merecem os nossos aplausos três alunas da UFMA: Glenda Moreira, Lívia Aroucha e Dayara Cutrim. Glenda Moreira é integrante da diretoria recentemente eleita e empossada do DCE Ninguém pode nos calar, que inexplicavelmente não foi reconhecida pelo CONSUN. No início da sua fala, chamou atenção do Magnífico Reitor ao que dizia e escrevera. Agradeceu a presença dos antecessores que prestigiavam a nova gestão. Lembrou o 17 de Setembro de 1979, segundo ela uma das maiores manifestações estudantis maranhenses durante a Ditadura Militar, para reiterar que a nova direção do DCE primará pela justiça e Democracia (a liberdade de expressão jamais poderá ser suprimida) e se posicionará contra decisões opressoras.
As outras duas alunas enalteceram as atividades acadêmicas do professor Ayala Gurgel. Deve ter sido gratificante para ele ter escutado: “Poucos professores me fariam vir até aqui, na frente de tantas pessoas […] Na verdade, ele queria que nós nos tornássemos pensadores! Que nós realmente questionássemos tudo aquilo que fosse colocado para nós! […] Um professor diferente, alternativo, nada convencional e insuportavelmente verdadeiro […] Eu me orgulho por fazer parte dessa Universidade quando encontro professores desse tipo […] Professores apaixonados pelo que fazem; professores que nos respeitam como alunos e transformam a sala de aula em um grande espetáculo […] Foi apenas no 3º período, com este professor, que eu descobri o que é estender o conhecimento da Universidade para a comunidade […] Muitos professores passam pela nossa vida acadêmica […] poucos nos marcam, poucos vivem essa vida conosco”.
E deve ter causado incômodo, a alguns conselheiros, o que declarou uma delas: “[…] Eu acho muito difícil, hoje, alguém se posicionar, aqui, por tudo o que tem acontecido; por essa falta de liberdade de expressão. Às vezes, até dá medo do que falar; medo de falar alguma coisa que não se deve […] Eu, em momento algum, me senti ofendida pelo posicionamento do professor. Pelo contrário, eu achei que ele realmente fez o que deveria ter feito como posição de cidadão: expressar, exercer a sua liberdade de expressão. […] Nunca me senti ameaçada pelo posicionamento do professor. […] Eu me sinto ameaçada com tudo isso que está acontecendo. De, talvez, não poder me expressar pela possibilidade de ser punida. E isso é muito grave! Porque parece que a gente tem só que obedecer ao Sistema, fazer o que deve ser feito, sem criticar. E não foi isso que eu aprendi. E não é isso que espero fazer no futuro!
A passividade de um Plenário que não fez uso do direito à voz só foi interrompida quando a conselheira representante da APRUMA pediu que os votantes fossem identificados em suas preferências. A reclamação foi geral, especialmente por aqueles que exercem funções sem terem sido eleitos.
Parece pouco o que essas quatro mulheres realizaram? Não, é no dia a dia, nos espaços públicos, em ambientes de trabalho e na família, que entregamos o destino de nossas vidas e asseguramos ou desconstruímos os direitos humanos. Elas mostraram, na reunião do dia 08/02/2012, que sem a coragem de fazer frente à submissão, opressão, dominação e violência afundaremos cada vez mais em práticas autoritárias totalmente anacrônicas.
Publicado em: Governo
Boa noite caro Caio Hostilio
Grata pela atenção com o texto em que evidencio a coragem de quatro mulheres. Tendo como cenário uma reunião do CONSUN/UFMA, mostro como são tratadas as desigualdades de poder e como reagiram professora e alunas no enfrentamento. Assim melhoramos o mundo. Nem sempre com o imediatismo que almejamos. Pior é o silêncio e o medo diante da falta de liberdade de expressão.
Um grande abraço,
Marizélia