Correio Braziliense
Ciência mostra que a corrupção vai moldando áreas cerebrais de um indivíduo ao ponto de ele deixar de se constranger quando age de forma desonesta
Acompanhando o homem em sua trajetória pela Terra, a corrupção continua atualíssima e, se na Antiguidade clássica intrigava filósofos como Aristóteles — autor de De generatione et corruptione —, hoje é estudada por cientistas, que tentam encontrar, no cérebro, os mecanismos associados à desonestidade.
Corrupção, como ensina o Houaiss, não é só subornar ou tomar para si o que não lhe pertence. Trata-se de “depravação de hábitos, costumes etc.”, refere-se à devassidão moral. Ao investigar a fisiologia do corrupto, as pesquisas debruçam-se tanto sobre sociopatas que prejudicam os outros sem sentir o menor remorso quanto sobre o cidadão comum, dito “de bem”, que, contudo, é capaz de aproveitar o quebra-quebra em uma manifestação de rua para saquear o supermercado.
Para Schmidt é a alta tolerância do brasileiro com contraventores, como Aniz Abrahão David, que reuniu celebridades e políticos na festa de arromba que comemorou seu aniversário, no ano passado; e mesmo com criminosos. “Quando o ex-jogador de futebol Bruno saiu da cadeia com um habeas corpus do ministro Marco Aurélio de Mello, ele tinha um fã-clube. Mas ele não era mais um goleiro, era um assassino.” Bruno Fernandes foi condenado a 22 anos de prisão pelo assassinato e a ocultação de cadáver da ex-namorada Eliza Samudio, além do sequestro do filho que teve com ela. Mostrando uma foto de pessoas na estrada, cheias de sacolas na mão, o psiquiatra contextualiza: “Esse caminhão frigorífero tombou no interior do Paraná. As pessoas saquearam a carga. Não eram pessoas miseráveis, elas não estavam passando fome. São tipos de atitudes que nós, brasileiros, temos há muito tempo”, lamenta.
A mentira: o resultado mostrou cada vez mais mentem são beneficiados. Nas situações em que a desonestidade traria vantagens financeiras a eles e aos pares, os voluntários se mostraram ainda mais estimulados a passar por cima da verdade, sugerindo, segundo os pesquisadores, que isso parecia tornar a mentira mais aceitável. No fim, para verificar a reação do cérebro, os cientistas repetiram o teste com 25 pessoas que, dessa vez, participaram da tarefa enquanto eram escaneadas pelo exame de ressonância magnética funcional.
Daí a importância de frear o comportamento desonesto, observam especialistas. “Quando os corruptos começam a roubar, podem se sentir culpados, mas, então, se acostumam com isso e não se importam mais. Se não forem punidos, esse comportamento ficará cada vez mais normal”, observa Antoine Bechara, professor de psicologia da Universidade de Southern Califórnia e especialista no processo de tomada de decisões, que também foi palestrante na conferência Mecanismos cerebrais da corrupção.
Publicado em: Governo