Como foi que o Brasil ficou chato?
Matéria publicada em 4 de março de 2018, 07:00 horasFinal do século XX tinha humorismo ácido, mesmo com ditadura militar, e TV mostrava mulheres muito mais sensuais
Na década de 1980, o Chacrinha balançava a pança e as chacretes mostravam a poupança nas tardes de sábado. Os trajes delas (que ainda não tinham dez litros de silicone para cada quilo de peso corporal) eram de deixar sem graça qualquer das meninas que hoje dançam suavemente nas tardes de domingo do Faustão. O inocente programa dominical d’Os Trapalhões tinha piada com negro, nordestino e gay.
E para quem acha que a coisa ficava na brincadeira de criança, o Jô Soares, quando ainda era humorista, tinha um personagem que caçava um tipo de tatuí chamado corrupto. Motivo: “tem muito, mas ficam tão bem escondidos que ninguém consegue pegar”. Tinha também a famosa frase do macaco: “mas sou só eu? Cadê os outros?”. Portanto, já havia o dedo indicador do humor apontado na cara dos corruptos.
Ainda nos programas do Jô, o Capitão Gay (outro personagem inesquecível do gordo – desculpem, do humorista com obesidade) aparecia entra nuvens de purpurina e ninguém enchia o saco.
Os desfiles de escolas de samba tinham peitos e bundas de fora à vontade, tanto no Rio quanto em São Paulo. Chico Anysio fazia piada com pastores evangélicos que pediam dinheiro (Tim Tones) e com um pai de santo gay que estava sempre “com dor nos quartos” (Painho).
Agora, qualquer piada com minoria vira motivo de textão no Facebook. As chamadas “cenas quentes” que são exibidas nas novelas são brincadeira perto do que, por exemplo, a novela “Pantanal”, da extinta TV Manchete, mostrava.
Parece que, neste século XXI, as pessoas estão mais sensíveis, ou, para usar uma expressão atual, mais mimimizentas.
E o fenômeno não é exclusivamente brasileiro. A França, hoje um dos países mais politicamente corretos do mundo, tinha nas décadas de 1960 e 1970 um De Gaulle ao qual se atribuem (sem que seja comprovado que ele disse), frases como “não é um país sério”, referindo-se ao Brasil, e “é impossível governar um país com mais de seiscentas espécies de queijo”, referindo-se ao seu país.
Até bater papo na mesa do boteco ficou chato. Você fala que “esse pessoal do Detran não quer nada com o serviço” e o sujeito da mesa ao lado, que não está na conversa mas trabalha (ou é irmão da prima do vizinho de um amante de uma mulher que trabalha) no Detran se sente no direito de ir à sua mesa reclamar e dizer que você é preconceituoso.
Experimenta fazer um post engraçado sobre o medo da violência nas favelas do Rio. Primeiro, vão te crucificar por estar chamando as “comunidades” de favela. Depois vão te dizer que você é preconceituoso, não porque as comunidades não tenham violência, mas porque a maioria das pessoas que lá vivem são também vítimas da violência, que é fruto da desigualdade social e blábláblá mimimi nhennhemnhém.
Nosso país e nossas vidas ficaram tão chatos porque perdemos a noção de “animus jocandi”, que é, em resumo, a intenção de fazer brincadeira. Um exemplo disso é uma decisão judicial da Justiça Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo) em relação a um pedido do Conselho Federal de Enfermagem para que a Rede Globo de Televisão parasse de veicular um quadro humorísticas em que falsas enfermeiras faziam uso de seus dotes sexuais: “Analisando-se o conteúdo propriamente dito da fita de vídeo cassete juntado aos autos, detecta-se o indiscutível objetivo da programação, qual seja, fazer humor…” “…Assim, não se pode penalizar a Apelada pelo fato de ter feito menção a um fetiche que já está inserido na sociedade, habitando, na maioria das vezes, o imaginário masculino”.
E, aqui entre nós, a maioria das pessoas têm, sim, a capacidade de perceber quando alguém está fazendo uma piada ou brincadeira ou quando está realmente querendo ofender.
O problema é que os militantes virtuais estão tão preocupados com a defesa de suas sagradas causas nas redes sociais que acabam abrindo a guarda para terem suas próprias atitudes como motivo de piada, como no caso do apelo para que as pessoas não assistam ao filme sobre o super-herói “Pantera Negra”, na versão dublada, porque a voz do personagem, em português, teria sido feita por um branco. Como diria um amigo, “vá defecar em área distante de agrupamentos humanos e coberta por vegetação rasteira ou de pouca altura…”
E nós com isso?
Não por falta de vontade, mas para evitar polêmicas com o nome do órgão de Imprensa ao qual serve, este colunista faz o máximo para evitar postagens que possam ofender minorias em sua página na rede social mais usada. No entanto, em conversas privadas, não existe essa limitação, e o humor “politicamente incorreto” é usado sem dó nem piedade, inclusive contra “minorias” como as dos baixinhos e dos carecas, nas quais este escriba está incluso.
Se pararmos um pouco de ver perseguição e preconceito em tudo, talvez consigamos desarmar um pouco os espíritos e tornar um pouco menos pesada essa vida do século XXI, retomando o bom humor brasileiro que resultou em personagens como o Azambuja (do Chico Anysio, que hoje seria crucificado também por usar “blackface”) e como o Joe Carioca, ou Zé Carioca, da Disney.
Publicado em: Política