Sentença proferida pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MA) sem levar em conta parecer contrário de promotor e procurador retira mandato de uma mulher para dar a um homem
A decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MA) que cassou o mandato da vereadora do município de Caxias Cynthia Lucena (PP) tem sido interpretada por juristas e por grande parte da opinião pública como um contrassenso, pois vai de encontro à própria legislação em vigor no Brasil, que prevê e incentiva maior participação feminina na política, após séculos de hegemonia masculina nessa atividade. Ao determinar a perda do mandato da vereadora, o TRE-MA abrirá espaço para mais um homem na Câmara Municipal caxiense, reduzindo para apenas duas integrantes a bancada de mulheres naquela casa legislativa, composta por 19 membros.
Eleita, em outubro de 2020, com uma das votações mais expressivas para o parlamento municipal de Caxias, após uma campanha limpa e graças ao seu trabalho incansável em prol das comunidades mais carentes, Cynthia Lucena é vítima de uma injustiça sem precedentes na história política do Maranhão. Sua vitória foi legítima e, se houve alguma fraude no pleito, os alvos de investigação e punição deveriam ser o partido e as candidatas envolvidas na suposta irregularidade, conforme defende sua assessoria jurídica.
A cassação mostra-se ainda mais descabida diante da disparidade de votos que separa Cynthia Lucena do suplente que interpôs o recurso na Justiça Eleitoral com o propósito de obter para si o mandato. Enquanto a vereadora foi eleita com mais de 1.100 votos, o seu pretenso substituto conquistou pouco mais de 50.
Decisão é duplo atentado
Não é exagero afirmar que, diante de tamanha diferença de votos e do desempenho pífio nas urnas do autor do recurso, tem-se um atentado não só à participação feminina na política, mas também à representatividade do povo no parlamento municipal, que pode ganhar um membro escolhido por uma parcela ínfima do eleitorado de Caxias, caso a decisão não seja revista.
Tantas questões em aberto em relação à sentença implacável do TRE-MA precisam ser respondidas de forma convincente, pois abrem margem a interpretações nada favoráveis à reputação daquela corte, hoje presidida, diga-se de passagem, por uma mulher, a desembargadora Ângela Salazar.
O estranhamento quanto a decisão extrema se acentua ainda mais diante dos pareceres contrários à cassação manifestados pelo Ministério Público Eleitoral, tanto na instância inicial em que tramitou o recurso, em Caxias, quanto na corte máxima da Justiça Eleitoral. O que teria levado o Pleno do TRE-MA a desprezar a orientação ministerial?
Ao ignorar os posicionamentos do promotor e do procurador pelo indeferimento da ação, o TRE-MA revelou certa inclinação autoritária, algo preocupante, ainda mais nos tempos atuais, marcados por atos de ofício que ameaçam a democracia.
Publicado em: Política