O relatório da Transparência Internacional (TP) que expôs a piora do Brasil no índice de percepção da corrupção não pegou bem em Brasilia, especialmente na cúpula do Judiciário. Prestes a assumir uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-ministro da Justiça Flávio Dino (à direita na foto) disse que viu “com espanto” um “atípico, anômalo relatório dizendo que a corrupção no Brasil tinha aumentado”.
Dino, cuja indicação para o STF aparece, na análise da TP, como um dos motivos para o aumento da percepção de corrupção no Brasil, disse que leu “afirmações bastante exóticas” sobre relatório e as respondeu assim durante evento do governo Lula nesta quarta-feira, 31:
“Respondo, demonstro aqui que a Polícia Federal continua sim, firmemente, todos os dias, combatendo a corrupção. O que mudou é que nós pusemos fim à política de espetacularização do combate à corrupção, que é uma forma de corrupção.”
O fim da
“espetacularização” é questionável, dadas as operações da PF contra parlamentares da oposição, algumas delas baseadas em frágeis indícios —
foto adulterada,
erros de data e de
identificação de interlocutora em conversa de WhatsApp, sem falar nos casos de um réu do 8 de janeiro
morto na prisão com pedido pendente de relaxamento por motivos de saúde e de outro réu mantido preso em razão de antecedentes criminais de
um homônimo.
Mas sigamos para o que disse Gilmar Mendes (à esquerda na foto) sobre o assunto. O decano do STF reclamou que “um índice baseado em percepções precisa ser visto com cautela“.
O problema é que todo mundo viu o que ocorreu no Brasil nos últimos anos, com ou sem cautela. A Transparência Internacional foi bem clara ao justificar o resultado do Índice de Percepção da Corrupção (IPC) 2023, descrito como “um retrato do desmonte da luta contra a corrupção durante o governo Bolsonaro e do abandono da pauta pelo governo Lula, além de novos retrocessos”.
A ONG destacou o que considera “alguns avanços importantes”, como “as nomeações técnicas para postos chave na CGU, AGU e PF, a derrubada dos sigilos abusivos do governo anterior e novas normas para fortalecer o acesso à informação, a reabertura dos espaços de participação e controle social”, entre outros.
Mas “os retrocessos foram mais numerosos”, analisa a Transparência Internacional, mencionando “o fortalecimento do ‘Centrão’ com a repaginada do orçamento secreto e ampliação do loteamento das estatais, na barganha com o governo”, que “continua a produzir impacto destrutivo para as políticas públicas, pulverização da corrupção e distorção da competição eleitoral”.
O que deve ter doído mais em Gilmar Mendes e Flávio Dino, contudo, é a seguinte crítica:
“A cúpula da Justiça tem grande responsabilidade pelo desmonte da luta contra a corrupção. E a perspectiva de melhora é duvidosa, com nomeações políticas para PGR e STF (até advogado pessoal do presidente), STF derrubando lei contra juiz julgar caso de escritório de advogado parente e CNJ rechaçando regra para proteger juiz do lobby de empresas e advogados, além do ultrajante descaso ao teto constitucional de remuneração.”
A Transparência Internacional lembra, ainda, que “não restou ninguém preso dos esquemas de macro corrupção revelados nos últimos anos – e não há mais qualquer risco de prisão de poderosos, com as novas jurisprudências do STF”.
Segundo a ONG, após a anulação das provas do acordo da Odebrecht e a suspensão da multa de 10,3 bilhões de reias da J&F, dona da JBS, decidida por Dias Toffoli, “a nova meta é a anulação das multas nos acordos de leniência”, e esse é “o novo grande nicho do lobby da advocacia”.
Isso sim é um espanto.
Por o antagonista